quarta-feira, 28 de maio de 2008

Discordo de quase tudo o que este disse

Paulo Portas, foi convidado para falar sobre o tema da educação e as vantagens de descentralizar, nas III Jornadas Técnicas de Gestão e Modernização Autárquica que decorrem até terça-feira em Seia.
«A descentralização do ensino aumenta a qualidade e diminui a sua burocratização», referiu Paulo Portas"

A burocratização é um modo de administrar através de regulamentos rígidos, por funcionários que hierarquicamente respondem sobre a sua aplicação. Não está provado que a descentralização do ensino resolvesse esse problema. Ao deixar de responder a uns senhores passando a responder a outros os agentes de ensino não têm nem dão garantias de que esse estado de coisas mudaria por si só.
Aumenta a qualidade? Como assim? Porquê? Não sei se Portas avançou com alguns argumentos justificativos de tal opinião. Assim só, sem mais… Não convence…
No início da sua intervenção, Paulo Portas declarou que «o 25 de Abril resolveu o problema da massificação mas não o da qualidade do ensino».
Antes do 25 de Abril não havia problemas de massificação. Pelo contrário, as taxas de frequência escolares eram baixíssimas como quem viveu aquela época se lembrará. E então, face a qualquer das Europas de então, o panorama era desolador. Portanto, não se resolveu qualquer problema. O 25 de Abril trouxe um problema de massificação, o que é diferente. À luz da época houve que, politicamente, optar: ou se massificava o acesso ao ensino prejudicando com isso a qualidade, por razões óbvias, ou então avançava-se mais devagar e a endemia do problema de acesso à escolarização manter-se-ia quase imutável.
A falácia de se querer justificar um regime que aquando do 25 de Abril tinha uma taxa de 39% de analfabetismo, 40000 licenciados para 9 milhões de habitantes cai, naturalmente, por terra. Quando um rico dá mais umas migalhas de pão a um pobre este não deixa de o ser.

A população em geral apresenta ainda maiores défices que a população empregada a
nível das habilitações literárias, sobretudo resultantes da muita fraca aposta na
educação antes do 25 de Abril e do lento aumento da escolaridade obrigatória nos anos 70 e 80.”
Quem diz isto é a UGT com base em estatísticas da OCDE.

Qualquer regime tem sempre de mudar alguma coisa para que tudo continue na mesma: foi o que aconteceu nos idos de 70 do séc. em que as reformas cosméticas do ensino vieram dar um ar mais moderninho ao sistema e servem agora de bandeira de branqueamento da vergonha e miséria de um regime tacanho, obscuro e podre, como se veio a provar.
“O número de escolas secundárias era reduzido, com liceus (de qualidade) para a burguesia e escolas indústrias (numa fase final do regime) para preparar os operários especializados para as novas indústrias, estes últimos não tinham acesso às universidades.
A taxa do ensino secundário era tão baixa que ter um curso secundário, era quase como ter um curso superior (em terra de cegos quem tinha olho era rei). Só estudava quem tinha um bom pé-de-meia.
O ensino superior era para as elites e burguesia abastadas no Poder. Dos estudantes do ensino superior só 2 % eram filhos dos operários.
Entre 1960 e 1973 fugiram do país 1.409.222 portugueses devido à fome, a miséria e a falta de direitos. O maior problema quando esses portugueses chegavam aos países de acolhimentos era a barreira cultural, não sabiam ler nem escrever, dificilmente conseguiam emprego qualificado. Nos últimos anos do regime, devido a vergonha internacional, e, por necessidade de receitas da emigração para alimentar a guerra colonial o Governo de Marcelo Caetano, obrigava os emigrantes legais a tirarem a 4.ª classe à pressa.”
(Texto retirado de (http://ascostaferrerira.bloguepessoal.com/35527/Ensino-de-Salazar/)

Quanto à qualidade de ensino: outra falácia. A quase ausência de um ensino experimental no país, o ensino quase escolástico, livresco, assente na memorização de noções muitas vezes inúteis (os meninos de Angola aprendiam as linhas férreas e os apeadeiros de Portugal continental), salvo algumas excepções, faziam do ensino em geral um ente amarelecido, adoentado e tristinha. Uma “coisa” tipo Eusebiozinho de “Os Maias”.
O deputado afirmou concordar com a criação da figura do director da escola. «Na escola, a autoridade deve ser o professor», afirmou numa referência indirecta aos recentes casos de indisciplina nas escolas.
Não gosto deste tipo de discurso muito habitual, de resto, em Portas. Autoridade com cheirinho talvez a autoritarismo, confundir o conceito com a pessoa, isto para mim, cheira a mofo. E não sou adepto do eduquês como poderá pensar-se. Prefiro falar de disciplina, respeito por valores e pessoas, etc… Mas autoridade não é um valor, por si só, defensável. É, apenas, um meio para se fazer respeitar, quando necessário, outros valores. E, nesse caso, autoridade não é o professor, ou melhor é o professor, o funcionário, o aluno, qualquer cidadão…
Claro que Portas concorda com a figura de Director. Cheira-lhe a autoridade.
A resposta não tem de ser esta. A questão essencial é saber se uma escola é ou não bem gerida, independentemente, da figura institucional que a dirige. O facto de um putativo director poder vir a ser responsabilizado pela “má-gestão” de uma escola não garante que esta venha a ser bem gerida. Se assim fosse nunca uma grande empresa iria à falência dado o profissionalismo dos seus dirigentes.
O Director poderá não piorar o desempenho mas o mesmo se aplica a um Presidente do Conselho Executivo.
Haverá alguma razão de fundo para impedir que num dado momento acda escola possa optar por uma ou outra forma de gestão?
Abordou também a questão da autonomia escolar e referiu que «dos 17.600 estabelecimentos de ensino, só 22 têm contrato de autonomia» e que estes revelam melhores prestações ao nível da disciplina e do conhecimento do que «a maioria das escolas públicas».
Plenamente de acordo com as reflexões do sr. Reitor.

«Ao Ministério da Educação, deve caber apenas a produção de programas básicos e dos exames nacionais. Tudo o resto deve ser deixado para os Conselhos Escolares. Tem de haver uma pluralidade de projectos educativos», de forma a que os pais possam fazer as suas opções educativas «porque o Ministério da Educação obriga os pais a matricularem os seus filhos nas escolas que lhes impõe e não lhes deixa a possibilidade de escolha. Não acredito que seja monopólio do Estado a transmissão da cultura». afirmou Portas.

A transmissão de cultura pode ser feita por muitos agentes e variadas formas. O Estado nunca reivindicou esse papel. Dizer que o faz é já uma desonestidade intelectual por parte de Portas, ou melhor, é uma “demagogia à maneira”. O que incumbe ao Estado é proporcionar aos portugueses o acesso, tendencialmente gratuito, à educação. Penso que seja este o espírito da Constituição.
Se alguém pretende escolher… pois que escolha.
E estou plenamente de acordo que, neste momento, “apenas os ricos e poderosos podem escolher: as melhores escolas, os melhores médicos e os melhores advogados.”
Ver Paulo Portas a advogar que os mais desfavorecidos também deveriam escolher as melhores escolas dá-me vontade de rir…
È que quando um pobre pudesse e lhe permitissem aceder a uma escola de elite já os filhos dos ricos e poderosos estariam numa escola estratosférica.
Não se pode conceber um sistema para todos a funcionar nos moldes de um sistema programado para alguns. A questão está em melhorar a qualidade do pão em geral e não enganar o povo acenando-lhe com brioches.
Se o Ministério da Educação produzisse apenas exames e programas básicos lá se ia os Projectos Educativos. Pragmaticamente o que interessaria às escolas, numa perspectiva reducionista, seria a mera preparação dos seus alunos “para exame” de forma a que, quanto melhor fossem os resultados destes, mais prestígio lhe resultaria.

Paulo Portas lançou ainda um alerta aos autarcas, para que se preocupem mais com a educação e revelou que, se fosse autarca, «teria muito cuidado a quem entregaria o pelouro da educação».
Os autarcas devem, na sua opinião, «incentivar os contratos de autonomia nas escolas públicas e procurar trazer para os seus municípios estabelecimentos de ensino particular, por forma a aumentar a oferta de projectos educativos».


Talvez o mesmo cuidado que teve quando no governo quis atribuir o pelouro da cultura a uma pessoa e, passadas horas, lhe quis atribuir uma Secretaria de Estado da Defesa por ser neta de militares.

Director-geral

1 comentário:

  1. Bem-vindo caro amigo. Há que tempos...
    Já sei onde te devo beliscar para saires da modorra e começares a ...escrever.
    Logo falamos...
    :)

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