O Expresso de sábado, 15 de março, colocou lado a lado com o seu editorial, um artigo de opinião do seu director, Henrique Monteiro, cujo objectivo pretendeu claramente denegrir a luta dos professores.
O editorial com um discurso sobre o pressão da rua, usando referências comparativas ao PREC, mais não quis que ilegitimar uma das formas de manifestação mais caras à democracia.
Vergonhosamente, e em complemento, (coincidência?!! Ah! Ah!) o artigo de opinião de Henrique Monteiro, pretendeu através de uma manipulação grosseira de números, que recorrentemente vêm a lume, demonstrar que os professores ganham demais e ainda assim , são o mal hediondo da Educação no país.
Um leitor fez-nos chegar a carta que lhe enviou.
"Sr. Henrique Monteiro (HM)
Li, diga-se, com alguma surpresa, o seu artigo de opinião “NÚMEROS SOBRE EDUCAÇÃO QUE O VÃO ESPANTAR”.
Com surpresa, devo confessá-lo, porque me habituei a ver os seus escritos abordarem os assuntos de forma séria, concordando-se com a sua perspectiva ou não, com um rigor e coerência de aplaudir numa época em que, sobretudo, alinhar pela demagogia e pela “espuma dos dias” é o que está a dar.
Mas o artigo citado supra foi infeliz, porque é a negação de tudo quanto nos habituou.
Infeliz porque, não me tendo na conta de ingénuo e acreditando que em matéria de jornalismo nada é inocente, o óbvio salta à vista: o seu artigo complementa o Editorial do Expresso e vice-versa, colocados estrategicamente lado a lado na mesma edição, fazendo transparecer uma imagem em que os professores saem a perder, num momento em que no sector da Educação se vivem momentos conturbados a que ninguém pode ficar indiferente. E o Expresso tomou a posição que quis.
Não se nega a HM, bem como ao Expresso, o direito de ter e manifestar as suas opiniões livremente. Mas que não esqueçam, um e outro, que têm também o dever, quanto mais não seja, moral, pelo seu passado, de fazer o seu trabalho seriamente. E, desta vez, salvo melhor opinião, neste aspecto, HM e Expresso falharam redondamente.
O Expresso parece alinhar num daqueles esquemas propagandísticos camuflados que, não sei se inconscientemente ou movido por algum desígnio desconhecido, se tornou moda em grande parte da comunicação social: ir contra a corrente da contestação dos professores, mesmo que esta seja intrinsecamente justa, crendo assim que acentuam e demonstram a sua independência e isenção mas, na prática, fazendo o jogo que interessa à outra parte.
Abre-se, já agora, um parêntesis para manifestar o conhecimento que, de repente, tantos e tantos, têm sobre Educação, sobre ela falando de cátedra, sabendo mais sobre o assunto do que muitos que a ela dedicaram dezenas de anos das suas vidas. Muitos, quando se trata de Educação, só porque andaram na escola, parecem prémios Nobel a emitir juízos sobre a matéria o que, curiosamente, não fazem relativamente a outras áreas de actividade. Falar de educação não deve ser, obviamente, uma reserva daqueles que a ela se dedicam mas exige-se, sobretudo aos jornalistas da imprensa dita de rigor, que quando o façam tenham em conta e respeitem as opiniões de quem faz desta actividade a sua profissão. E 100 000 opiniões não serão despiciendas, creio eu.
Não pretendendo dar lições sobre a matéria a ninguém e muito menos a si, Sr. Henrique Monteiro, quer-me parecer que muita da informação escrita sobre o problema dos professores está inquinada de grande leviandade de análise e contagiada por preconceitos ou juízos a priori por parte dos que sobre o assunto se manifestam o que, num jornalismo de referência, é criticável.
Com efeito, o artigo de HM mais parece uma daquelas peças jornalísticas “para encher”, passe a redundância, com curiosas curiosidades, começadas pela tradicional expressão “Sabia que…(?)”. Um estilo estafado que Henrique Monteiro teria obrigação de evitar, quando o assunto é sério. Ou poder-se-á inferir que se usou este truque demagógico de aproximação ao subentendido e próximo “caro leitor” traduzido no popular “Sabia que…” para o convencer, através dos aparentemente irrefutáveis factos que resultam dos números estatísticos apresentados e que, pasme-se, o "espantarão" e o maravilharão por algo nunca visto e em que ninguém jamais tinha pensado; felizmente que HM, não se deixa enganar e, sempre alerta, ilumina os portugueses que viviam na escuridão.
O que o artigo parece querer verberar e subliminarmente querer transmitir é: Como será possível ter alguma simpatia pelos professores depois de se saber quanto ganham? Malandros! Ganham salários de luxo e ainda se atrevem a protestar? Vão trabalhar... Pouca diferença faz dos que na rua lançam de forma populista e provocadora tais impropérios.
H M sabe que a manipulação de estatísticas é fácil (não, não vou citar o exemplo do “copo meio cheio ou meio vazio”) e leva demagogicamente, de forma evidente, a conclusões simplistas. E virá HM dizer que não acusa os professores, que só refere os seus salários para constatar o óbvio, que na Turquia é assim, no Chile é assado… Como se o mal estivesse na média do valor dos salários. Ou seja, se os professores ganham tão bem, teriam obrigação de fazer melhor. Falácias atrás de falácias, que muito me admiram em Henrique Monteiro. As condições de trabalho, a organização dos sistemas, o nível cultural adveniente do chamado “currículo oculto” veiculado por grande parte das famílias portuguesas, etc. seriam sempre factores, se quiséssemos ser honestos na análise, a ter em conta na abordagem do assunto.
Não é tudo uma questão de dinheiro.
HM preferiu esgrimir e interpretar números, chegando à conclusão, inferida, de que se a educação está mal em Portugal, a culpa é dos professores. É sintomática a forma como o artigo é iniciado: “Sabia que Portugal é um dos países onde os professores mais ganham?”
E é esta a ideia forte que fica. Um mito conveniente, inúmeras vezes desmentido não resistindo a uma análise ainda que rápida, mas sempre recuperado e que cumpre, eficaz e demagogicamente, a sua missão.
Se a Educação está mal, gastando-se nela tanto dinheiro, ganhando os professores tão bem e havendo necessidade de encontrar culpados para este estado de coisas, quem será que está mais a jeito?
Os professores terão alguma quota-parte da responsabilidade no estado da arte, posso admiti-lo, mas não serão os principais actores do sistema a quem as culpas deverão ser atiradas.
Se assim fosse, pela mesma ordem de ideias, deveríamos atirar as culpas para cima dos jornalistas por Portugal apresentar uma das piores taxas de leitura de jornais. Como, de facto, assim é, os jornalistas portugueses nunca justificarão os salários que ganham; sempre serão incompetentes por não conseguirem fazer com que se venda mais jornais por cem habitantes do que na República Checa ou na Estónia. Isto, se considerarmos que os jornalistas têm, em média e face ao PIB do seu país, salários comparáveis aos dos seus colegas desses países.
O problema, HM bem o sabe, é mais profundo… (Nesse aspecto, pese embora algumas imperfeições, recomendo-lhe a leitura do Editorial do congénere “Sol” de 15 de Março que, a meu ver, analisou melhor o problema que aflige os professores e a sociedade portuguesa).
Sr. Henrique Monteiro, frontalmente, digo-lhe que o seu artigo não constituiria um exemplo de jornalismo de qualidade a apresentar num manual sobre a imprensa. Porque será que um jornal como o Expresso, contraria a sua herança de rigor e isenção para abordar os assuntos da Educação numa perspectiva de responsabilização dos professores?
Leitor que sou, assíduo, do Expresso há cerca de trinta anos fiquei deveras desiludido com a postura de pouco rigor que face ao assunto vertente, o jornal assumiu embora, repito-o, tenha o direito de o fazer. Por isso é com mágoa que lhe comunico que quebro o vínculo afectivo e respeitoso que mantinha com o jornal. Também, estou consciente de que, se calhar lhe não fará grande mossa a perda de um leitor anónimo- um entre milhares não será relevante – e me responderá que sempre se recusaria a escrever fosse o que fosse que não estivesse de acordo com a sua consciência para agradar a um grupo por mais numeroso que este fosse. Repito, está no seu direito de não se deixar condicionar, aliás, tem por dever manter a independência de espírito. Mas, no caso vertente, algo me diz, convicção íntima, que a abordagem que fez ao assunto, por não vir na linha do que em si é habitual, não foi exemplar e, do ponto de vista intelectual, inteiramente honesta. Ficarei com a minha, passe a expressão, e o Sr. ficará com a sua. Mas a verdade é que em nome da dignidade de uma classe a que me orgulho de pertencer e que, ultimamente, tem sido caluniada e até vilipendiada, de forma abominável, por acção ou omissão, não poderia deixar de lhe manifestar a minha decisão.
Não o faço por retaliação corporativa, tal atitude seria até ridícula, mas faço-o com a mágoa de ter perdido a confiança num órgão de comunicação que me habituei a ver como um exemplo de isenção e qualidade de informação.
Até sempre"
Director-geral