domingo, 4 de fevereiro de 2007

As chagas do insucesso e do abandono escolares

Paulo Guinote, na linha de outros escritos seus, fez, recentemente, uma, duas boas tentativas para tentar “ler” os fenómenos do abandono e do insucesso escolares. E alertou-nos para as leituras “lineares” e “imediatistas” que alguns “analistas” vêm fazendo ao longo dos últimos anos.
E tentando não fazer uma abordagem demasiado “complexa” que nos fizesse perder o “caminho de saída do problema”, apresentou-nos algumas ideias sobre as causas que justificam os crescentes abandono e insucesso escolares:
- Causas externas, a montante e em redor da escola
- Expectativas demasiado elevadas da população relativamente à escola
- A “juventude” da nossa escola de massas
- Os alunos ficam-se pelos resultados/objectivos mínimos
- Existe hoje uma espécie de psicose do mérito. O mérito é impopular e os alunos valorizam mais o mp3, o vestuário, o corte do cabelo e outras superficialidades.

Estou genericamente de acordo com esta análise, excepto com a conjuntura histórica que Guinote considera ser também um factor para os elevados insucesso e abandono escolares. O sistema educativo não está em fase de consolidação como diz, está sim em fase de decomposição. Repare-se na instabilidade curricular – reformas, revisões e alterações curriculares sucessivas, no mínimo, uma por ministro; nas sucessivas alterações às regras de avaliação; no há e não há exames, no há e não há provas globais; enfim a educação vai de vitória em vitória …
Tenho para mim que 30 anos de democracia deveriam ter produzido mais sucesso escolar e menos abandono do que aqueles que temos. E estou convencido, cada vez mais, de que já não há espaço, nem pachorra, para se buscarem causas do atraso e do subdesenvolvimento dos portugueses aos idos da “velha senhora”, do antes de Abril.

Por outro lado, existe uma outra causa fundamental para as elevadas taxas de insucesso e de abandono escolares, para mim a mais importante: é o desinvestimento e a desvalorização social e económica, com que as famílias e a sociedade, acolitadas por todos os discursos e práticas dos governos do pós 25 de Abril, presentearam a educação e a escola.
O discurso depois do 25 de Abril deixou de estar centrado na escola e na importância do sucesso escolar para o futuro de qualquer jovem, para se centrar nos caminhos, quiça mais fáceis, da dependência, da subserviência e do subsídio.

Todos começamos a perceber que o futuro e o sucesso pessoal dependiam muito mais do “amigo”, da “cunha” e do “conhecimento” do que do mérito e do esforço pessoal. Veja-se, a este respeito e só para falar da função pública, os milhares de funcionários públicos analfabetos e semianalfabetos que se empregam em todos os sectores públicos, com especialíssimo relevo para as autarquias.
O discurso e a prática política da democracia favoreceram o facilitismo, a preguiça e a aparência, em desfavor do trabalho, do esforço e do mérito – acabaram os exames, os quadros de honra e os chumbos. Enfim, agora até se entra na universidade sem o 12º Ano e, em alguns casos, como veio noticiado, basta o 9º Ano.
Por isso, qual a diferença entre um licenciado a trabalhar nas caixas do Modelo e um licenciado na Católica ?
Qual a diferença entre um licenciado com o 11º Ano mais um diploma RVCC e um licenciado de Coimbra?
Qual a diferença entre um licenciado com “habilitações a mais” para o lugar de administrativo na Câmara Municipal e o filho do Presidente da Junta que tinha o 11º ano incompleto e ficou com o lugar?
É a diferença da desvalorização: estudar para quê?
Foi esta desvalorização contínua da formação escolar que postergou a Educação e nos colocou no desonroso lugar que ocupamos hoje entre os nossos parceiros europeus.


"Ninguém cientificamente honesto pode negar ser [o aborto] a morte deliberada de seres humanos em desenvolvimento". Gentil Martins, "Público", 21 /12/2006.
Reitor

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