sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Não olhes para o que eu digo...

Antes de ontem, saiu no JN o artigo “Escolas oficiais escolhem alunos com base em notas e origem social”, o qual relata as conclusões de uma estudo efectuado por dois investigadores portugueses, especializados em Sociologia da Educação.
À medida que se desenvolve o artigo, somos surpreendidos por algumas preocupantes curiosidades:
1 – Que o estudo assentou numa visita a “cinco estabelecimentos de ensino (três escolas públicas dos 2.º e 3.º ciclos e dois colégios privados) … próximos uns dos outros”
2 – Que a investigação levada a cabo durante essa visita permitiu se estabelecer as seguintes teses:
a) As escolas seleccionam alunos com base na “análise do percurso escolar
anterior – ao arrepio da legislação e da própria Constituição”, note-se
b)
Esta selecção faz com que existam estabelecimentos de ensino muito próximos com
populações estudantis muito distintas o que “dá origem a nichos de excelência
como a guetos de exclusão".
c) O comportamento selectivo das escolas é “pouco
democrático”, injusto e originador de graves “assimetrias na rede de ensino”,
agravadas pela diferenciação social na constituição de turmas.
d) A escolha
dos estabelecimentos de ensino [pelos pais] é, cada vez mais, objecto de lutas e
pressões sociais.
e) Que metade dos alunos de classes sociais desfavorecidas
tinham sido recusados por uma outra escola, frequentada por alunos das classes
média ou alta.

O investigador remata o seu estudo com duas inusitadas conclusões:
1 - O sistema educativo que deveria ser “supostamente igual para todos”, afinal cria nichos de excelência e guetos de exclusão, o que é um risco para a escola inclusiva e integradora”.
2- A constituição das turmas obedece a uma “lógica perversa”; por um lado, constituem-se turmas com "filhos de professores, médicos e juristas e outras onde predominam alunos problemáticos". Por outro, os professores mais velhos ficam "om as turmas de excelência, cabendo aos mais novos as restantes".

Para aqueles experts que defendem o status quo do actual sistema educativo e que se abespinham todos, mal se fala em qualquer reforma ou alteração, quer à forma como se organizam as escolas, quer à avaliação do professorado, quer à liberdade de escolha da escola, este “estudo” deveria ter causado um choque brutal.

Afinal, a escola actual não serve. É injusta, geradora de guetos, de assimetrias sociais, de desigualdades ...de iniquidades.
Deveria ter sido um choque, mas não foi. Numa entorse ideológica, vêm defender que, afinal, aquilo que está mal não é a escola actual, idealizada por uma esquerda aburguesada, dispersa pelo “centrão político”. Não. O que está mal é a escola que alguns opinadores ditos liberais defendem.

Preferem que se mantenha o actual (de décadas!) estado das coisas em que, apenas, alguns escolhem as escolas e os professores dos filhos: os “habilidosos”, os que conhecem bem os estreitos caminhos do favor, do interesse, da cunha.
Preferem as escolas sem autonomia, telecomandadas à distância pelos serviços desconcentrados do M.E., em que nunca nenhum (ir)responsável foi alguma vez condenado pelas actuais (de décadas!) práticas de segregação de alunos, de base social e económica, às escolas com autonomia com rostos, nomes e pessoas concretas a quem pedir responsabilidades pela prática destas injustiças e discriminações, se se viessem a verificar.


Ele há cada coisa...

Reitor

3 comentários:

  1. Meu caro amigo,
    Já percebi que o irrito, pois toma-me sempre como exemplo das posições erradas.
    Quanto ao "estudo" em apreço, coíbo-me de sublinhar mais as suas insuficiências.
    Não fosse o assunto do momento ser outro, tinha um post todo direitinho sobre a montanha russa das posições de um dos seus autores sobre o tema da violência nas escolas.

    Se quer fazer doutrina com o que é extrapolado da visita a cinco escolas, posso dar-lhe a minha experiência pessoal, que já passei pelo dobro delas e conheço mais ou menos bem muitas mais.

    Bom Natal (e obrigado pelo link)

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  2. Caro Paulo.
    Você não percebeu.
    Claro que se trata de um "estudo" e não de um estudo.
    Não fique abespinhado. Você não me irrita. Aliás, leio-o com prazer. Como já escrevi, você tem um excelente blogue sobre temática educativa (para mim o melhor).
    No entanto, também se engana, também comete erros de análise e também tem posições criticáveis. Ou não será assim?
    Não preciso de nehum "estudo" para perceber isto: a escola pública actual não serve os interesses dos portugueses. É criticada pelos ricos que põem os filhos a estudar na privada; é criticada pela classe média que só tem os filhos na escola pública porque não tem rendimentos para os ter na privada (têm-nos na escola pública mas com explicações e ATLs privados. E quando os jovens chegam ao 12º Ano, toca a transferi-los para os colégios privados onde, desde Setembro, têm garantidos dois vintes: um a Educação Física e outro a Área de Projecto). A escola é criticada pelos pobres porque não lhes toma conta do filhos nem tem horários compatíveis. É criticada por todos os políticos, excepto pelos que, conjunturalmente, estão no governo a distribuir os milhares de "tachos" educativos. É criticada pelos empresários e não serve, segundo se lê, a economia. É uma escola que aparece no final de todas as listas e rankings que se fazeem pela europa e pelo mundo fora, sejam quais forem o indicadores de qualidade em questão.
    Parece que só agrada, mesmo, áqueles que estão no "sistema": os que sabem e podem escolher as escolas, as turmas e os professores.
    Ora, acontece que a esmagadora maioria dos portugueses não o consegue fazer.
    Penso que ainda nos vamos "ver" antes mas se assim não for, Boas Festas também para si e família.

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  3. Foi-se-me o comentário que estava quase a acabar.

    Por isso, não me vou repetir e apenas resumir:

    a) Não estou abespinhado, sou naturalmente veemente na defesa das minhas posições.

    b) Tenho muitas dúvidas e raramente tenho a certeza de acertar.

    c) A insatisfação com a Escola Pública emana de certos nichos sociais, urbanos, afluentes e bem colocados para fazer ouvir a sua voz.

    d) O país real ou profundo está bem mais grato à EP do que pensa (eu próprio lhe estou agradecido por tudo o que me ensinou e mostrou de bom e mau).

    e) A "escolha" das turmas - em especial no 1º CEB - depende mais de se querer um(a) bom(boa) docente do que outra coisa. Não é o convívio com os colegas certos (isso é a estratégia do privado) porque o que muitos pais desejam é a qualidade do ensino. Essa será a minha prioridade quando a miúda cá de casa for para o 1º CEB.

    Bom Natal (o resto do comentário fica para outra altura)

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