segunda-feira, 18 de setembro de 2006

Avaliar ou não avaliar: eis a questão


A defesa da ideia, peregrina, de um processo de avaliação dos professores pelos pais tem assentado quase que exclusivamente em falácias e demagogias.
Ab ovo é falsa a ideia de que os pais não avaliam os professores.
A ideia de que a avaliação deve, de algum modo, influir, infimamente que seja, na progressão da carreira dos docentes é perigosa e não vem contribuir em nada para a melhoria do sistema educacional do país. Aliás, tal melhoria, creio, é um desiderato de todos e não só do Ministério da Educação e certos sectores neoliberais como se tem pretendido fazer crer ao apontar a legítima oposição dos professores a tal sistema como constituindo uma força de bloqueio contra o progresso. Enfim…

De facto, no sistema actual, os pais já participam na vida da escola enquanto parte das associações de pais, nos contactos que estabelecem com esta, prioritariamente através do director de turma, e nas diversas reuniões que, ao longo do ano, vão ocorrendo. E esta participação tem servido, informal ou formalmente, para os encarregados de educação avaliarem professores. E não nos esqueçamos do, quantas vezes excessivo, recurso às classificações atribuídas ao seu educando em que se tecem, amiúde, considerações injustas sobre a actuação dos professores. Mas adiante…

Se ninguém pretende num estado democrático retirar legitimidade à participação dos pais na educação dos seus filhos convém, no entanto, não esquecer que o regime de contratualização dos professores não é, mesmo indirectamente, estabelecido com os pais dos alunos mas sim com a escola. Dito de outro modo, compete à escola enquanto “entidade patronal” avaliar o desempenho dos seus empregados e, em última análise, retirar daí consequências com implicações no reconhecimento de mérito, de promoção de carreira, etc., etc.
Os pais, querendo, e levando este raciocínio ao extremo, podem mudar os filhos de escola, isto é, podem deixar de ser clientes da mesma.
Isto não quer dizer que a escola não encontre meios de medir o seu prestígio, de abalizar a sua acção, junto da comunidade que serve. Agora, desincumbir-se, ainda que parcialmente, de uma das suas obrigações – ser ela a avaliar os seus - é que não.

Depois dever-se-á considerar que um professor ao cumprir as obrigações que a escola lhe impõe, poderá não satisfazer os desejos dos pais ou, pelo menos, de grande parte deles. Com efeito a escola confia ao professor grupos mais ou menos numerosos de alunos solicitando-lhe que reparta a sua atenção por todos e por cada um em particular. A heterogeneidade do grupo assim o impõe. Ao responder a esta imposição da sua entidade patronal o docente não corresponderá particularmente aos desejos de cada pai para quem é expectável que o seu educando mereça a melhor atenção do professor. Numa turma de 28 alunos teremos 28 horizontes de expectativa diferentes sendo materialmente impossível o professor satisfazê-los a todos. E nem sequer poderemos acusar os pais de egoísmo ou de falta de razoabilidade. É humano que cada pai considere que o seu rebento é sempre um caso diferente dos outros, para não dizer especial. Por este ponto de vista o docente em relação a vários dos seus alunos, segundo o ponto de vista dos pais e de alguns alunos, nunca cumprirá cabalmente os objectivos. Imagine-se o grau de injustiça, ainda que relativa, que tal vem introduzir no sistema de avaliação do docente por parte dos pais. Injustiça, ainda que relativa, é sempre injustiça.
A relação de um professor com os pais dos seus alunos não é a mesma que a de um sapateiro com o seu cliente.

Isto já para não falar do caso de um professor que disciplinarmente procura ser cumpridor. Imagine-se o que pensará este no momento de expulsar um aluno de uma aula: - Mais um “cliente” descontente. Qual o professor que se sentirá inteiramente livre para usar desta prerrogativa sabendo que, mesmo com a razão do seu lado, poderá incorrer na sanha dos “clientes”? Mesmo que digam que a avaliação dos pais só será considerada num ou até determinado nível, a verdade é que ninguém será inteiramente livre para se expor a arrostar com o estigma de uma desagradável avaliação negativa por parte de um pai.
E ainda leva por tabela por parte da direcção da escola por não actuar quando deveria, por compactuar com a própria perda de autoridade. Ser avaliado por “ter gato e por não ter” não abona nada a favor de tal sistema.

Os professores devem ser avaliados. As escolas devem ter em conta a opinião dos pais sobre ela mesma, deve respeitar o direito inalienável dos pais em reclamar quando os seus, vários, direitos são postos em causa. Também os pais devem ser exigentes na qualidade do serviço que exigem às escolas. No limite até se aceita que um mau professor possa ser impedido de leccionar. O sistema de ensino deve encontrar meios de avaliação objectivos, regulares e transparentes para os seus agentes exercidos pela direcção da escola, por serviços como a inspecção ou até de outros claramente definidos. Deixar tal matéria ao sabor dos humores de quem tem interesse próprio, isso é que não.

Acresce, ainda, que não é pelo facto de a maioria dos pais terem, alguma vez, frequentado a escola que tal lhes dá automaticamente competência para julgar os professores. Mas a quem interessa isso? Apetece cantar: “Demagogia, feita à maneira, é como queijo numa ratoeira…”


Director-geral

2 comentários:

  1. Retiro do teu texto duas ideias que partilho:
    "é falsa a ideia de que os pais não avaliam os professores". Ou seja: consideras que os pais têm lugar na avaliação dos professores, tal como eu.
    "Os professores devem ser avaliados". Também concordo. Portanto o título do teu post devia ser: avaliar e avaliar: eis a questão.
    Porque é que achas que os pais (clientes da escola, dizes)podem mudar os filhos de escola e a escola não pode mudar os professores para "agradar" aos seus "clientes"?

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  2. No caso, admito que limite, de uma escola mudar de professores para agradar aos pais seria uma má política de navegação de cabotagem ao deixar-se, ainda que em tese, orientar pelos humores momentâneos e idiossincráticos dos dos pais. Quando o rumo é para Norte o Sul fica-nos atrás das costas... e o capitão olha para a bússola, não para a paisagem...

    16:27

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