quarta-feira, 12 de julho de 2017

"Costa Não Foi Feito Para Isto. Nem Feito Nem Eleito, Recorde-se"


Peixinho de aquário
António Costa não acredita em nada. A bajulação mediática que em Portugal passa por “comentário político” costuma transformar este vazio amoral numa virtude celestial, “génio político”, “inteligência tática”. Lamento, mas não é inteligência tática, é só a mais completa inexistência de convicções. Os cínicos como Costa são os seres mais flexíveis da Criação, porque não têm um centro moral; são feitos de uma pasta viscosa e escorregadia que se adapta a gregos e a troianos. O cínico pode assim desenvolver um discurso liberal de manhã, almoçar com comunistas e fazer promessas socialistas à tarde. Há dias, nas Américas, Costa parecia um libertário a defender os benefícios da globalização. Estamos a falar do homem que, quando necessário, recorre às linguagens e às políticas do PCP e BE.
Costa fez campanha contra a austeridade e a favor de uma nova política assente no consumo interno. Perdeu as eleições. Para sobreviver, fez a negociata mais oportunista da nossa história democrática, rasgando pelo meio décadas de regras não escritas. Quando chegou ao poder, manteve a política de Passos (exportações) e reforçou a austeridade. Sim, devolveu partes dos salários aos funcionários públicos, mas, em troca, impôs a austeridade mais rígida de sempre ao nível do investimento público e dos gastos intermédios do Estado. Ou seja, os funcionários recebem mais dinheiro, mas, quando chegam aos seus postos de trabalho, não têm meios para fazer o seu trabalho. Não havia material no centro de saúde de Castanheira de Pera, não havia câmaras e redes em Tancos, etc., etc. Na política normal do dia a dia, esta fórmula cínica estava a funcionar em benefício do próprio Costa: a devolução de rendimentos mantinha clientelas eleitorais satisfeitas, apesar da evidente degradação dos serviços. Só que acontecem sempre imprevistos e tragédias, como Pedrógão e Tancos. Estes dois episódios minaram por completo a relação de confiança hobbesiana entre os cidadãos e o Estado. Se as pessoas continuarem a sentir que não têm segurança, não há devolução de rendimentos que valha a Costa. Manter a sociedade acima do medo é a primeira tarefa do Governo. E a Costa está a falhar miseravelmente nessa tarefa.
Quando foi forçado a sair do aquário lisboeta, Costa mostrou que não tem fibra de líder, só transmitiu insegurança. Para agravar essa sensação de desnorte e fraqueza, meteu férias como se fosse o António, cidadão privado, e não o António Costa, primeiro-ministro de um país a sofrer uma inédita falha na estrutura hobbesiana. O Ministério da Administração Interna e o Exército parecem sacos de gatos corporativos, o país está com medo e envergonhado perante os parceiros da NATO, mas Costa desertou para Palma de Maiorca. Lembra uma reportagem que passou há anos na SIC. A cena é assim: na rotunda do Marquês, o edil Costa inaugura uma obra, mas alguém aponta para um defeito óbvio; sentindo o embaraço, Costa vira costas e deixa a vereadora sozinha. A cena define a cobardia da personagem, mas é desculpável. Já não é desculpável abandonar o país após dois choques como Pedrógão e Tancos. Costa não foi feito para isto. Nem feito nem eleito, recorde-se. 
Henrique Raposo
EXPRESSO, 8 de julho 07

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